segunda-feira, 15 de junho de 2020
domingo, 7 de junho de 2020
A Questão do Tempo na Maçonaria

A Questão do Tempo
A maioria das pessoas, lógico supor, admite uma compreensão intuitiva do tempo. Pra essa maioria o tempo é algo ao mesmo tempo cotidiano, empírico, científico, fácil e complexo, poético e assustador, sentimental ou frívolo.
Falamos do ontem, do hoje e do amanhã. Referenciamos no passado de nossas vidas, para hoje planejarmos e pensamos no futuro de nossas famílias. Enfim, existe um tempo que passa ao mesmo tempo em que outros passam o tempo.
Para muitos o passado como tempo é história e o futuro especulação. O hoje e o agora não existem, sendo apenas uma referência de segundos entre o passado e o futuro.
Deus é, diriam alguns, logo não existe passado ou futuro na mente de deus. Talvez por isso Santo Agostinho tenha escrito em suas Confissões: “O que é o tempo? Se ninguém pergunta, sei o que ele é; mas se alguém me pergunta e tento explica-lo, já não sei mais.” (SANTO AGOSTINHO, 1997).
Poderíamos, partindo da premissa acima, considerar que o tempo é algo ou objeto de difícil definição, podendo apresentar diversos conceitos e abordado de formas diferentes, dependendo do ramo da ciência, seja arte, geometria, biologia, astronomia, matemática, física, sociologia e filosofia.
Não se pretende neste artigo uma abordagem sobre cada um desses aspectos, mas apenas demonstrar que o simbolismo da régua de 24 polegadas, em especial no Rito de York, possui profunda atualidade filosófica sobre o que concerne ao tempo.
A Régua de 24 polegadas na Maçonaria
A primeira observação que fazemos é quanto às características básicas da régua, um instrumento simples, milenar, que nos ensina, de uma forma mais simples ainda, o caminho direto entre dois pontos, dois destinos. Com a régua medimos um seguimento do infinito. Uma parte de nossa vida. A retidão que buscamos.
Após a cerimônia de iniciação maçônica, no primeiro grau da Ordem, o Aprendiz Maçom recebe uma régua, ou é instado a pensar sobre a utilidade de “uma régua de 24 polegadas”, que, devidamente dividida em três partes iguais, deve remetê-lo a adequar a utilização do tempo cotidiano. A Maçonaria a adota porque simboliza o dia com suas vinte e quatro horas, exigindo dos maçons uma adequada utilização das horas do dia.
No campo maçônico a graduação nela colocada de vinte e quatro polegadas, serve para mensurar o tempo, as vinte e quatro horas do dia, em que o homem deve distribuir suas atividades. No Rito de York, a “cautela” ganha importância na vida do maçom. Associar, portanto, a cautela à régua de 24 polegadas nos parece ser um bom caminho para explorarmos o conceito de tempo.
Um maçom deve usar, no cotidiano de sua existência, as 24 polegadas como representação de 24 horas, divididas em três partes de 8 horas: descanso, trabalho e sociabilidade.
Assim, deve de certa forma dividi-las entre suas atividades matinais, nem sempre realizadas, como sua primeira refeição diária, às vezes esquecida. Outras horas dedicadas ao seu trabalho; à necessária recreação, muitas das vezes não considerada; suas reflexões, em geral pouco ou mal aproveitadas; e o merecido repouso, como nos prega a mensagem maçônica. E as outras oitos horas servindo a deus ou a algum necessitado.
Filosoficamente, poderíamos dizer tratar-se de um caminho entre a norma e a ordem, entre o que se quer fazer e o que se deve fazer, entre o passional e o racional, entre a direção da ponta do malho ao topo do cinzel. Indica a própria construção do homem, a lapidação de sua forma mais bruta em busca da perfeição (RAGON, 2005).
O exercício na separação de cada tempo, dando o ritmo necessário para cada etapa, faz com que o homem evolua, cresça, se realize e desenvolva habilidades que de outra forma poderia pensar ser impossível realizá-las.
A constante assertiva de muitos maçons contemporâneos de que “não tem tempo”, quer para ir à Loja ou realizar atividades de filantropia, demonstra uma não utilização dos princípios maçônicos sobre a administração do tempo (ALCÂNTARA FILHO, 2012).
Segundo os conceitos filosóficos do simbolismo maçônico, “tempo obtido” seria uma vitória pessoal, inigualável, uma capacidade de autogestão, ou a pura demonstração da vontade, de responsabilidade e do reconhecimento de si própria. Um caminho que se propõe reto é íntegro e honesto. Cada nova ação proposta deverá ser bem estudada, analisada, e, para ser edificada, basta incluí-la nos intervalos de cada ponto de nossa régua, utilizando para isso os princípios éticos que envolvem a liberdade, a igualdade e a fraternidade (BAYARD, 2004).
No campo simbólico, junto ao malho e o cinzel, a régua forma um conjunto de ferramentas ou instrumentos que devem ser usados pelo Aprendiz em seu trabalho, como Rito Escocês Antigo e Aceito. Já no Rito de York, mais antigo que esse, a régua de 24 polegadas está associada ao “martelo de corte”, um instrumento muito mais apropriado ao trabalho no “desbastar” da Pedra Bruta.
De qualquer forma, a régua era usada pelos maçons operativos, àqueles que remontam das lendas míticas aos construtores de templos, para executar um trabalho de precisão na construção, medindo, delineando, ajustando o traçado ou limites do corte de uma determinada pedra para uma construção específica.
O Tempo: Primeiros Conceitos
Aristóteles (1995), em sua obra “Physique IV, Tratado do Tempo”, faz uma reflexão sobre a realidade física do tempo, aquela que é medida pelos relógios, dando inclusive a impressão que descarta o tempo psicológico, demonstrando que o tempo é uma ilusão. Para ele, o momento presente, como “instante”, não pode existir para o homem, pois não pode ser percebido instantaneamente, como no sonho (BURNET, 1994).
Ele formula uma questão-chave: “O tempo poderia existir sem a alma e o pensamento, que são os verdadeiros sujeitos de toda a medição? (218b)”. Depois de uma análise desta questão, ele mesmo formula a resposta afirmando que isso poderia ser válido para todas as coisas, menos para o tempo e o movimento. As respostas acima seriam analisadas séculos depois por Santo Agostinho. Mas, retornando a Aristóteles, podemos ressaltar a definição de seu objeto: “O tempo, se não é o próprio movimento, é seu número calculado, isto é o resultado da medição” (219). Assim ganhamos consciência do tempo pelo fato do movimento representar uma sucessão contínua, definida como um antes e um depois, ou seja, “O tempo é o número do movimento conforme o antes e o depois” (219b).
Lógico que já evidenciamos esses conceitos aristotélicos no simbolismo da régua de 24 polegadas, no sentido de podermos medir numericamente um espaço de movimento menor (ciclo de oito horas) durante um dia (três ciclos de oito horas).
Analogamente, no item 223-b da mesma obra, Aristóteles diz que “a locomoção circular (o movimento dos astros no céu) é a melhor medida, porque seu número é o mais conhecido”, o que também remete a simbolismo maçônico, do Rito Escocês.
Heidegger (2012), ao citar Platão, afirmou que o tempo nasceu quando um ser divino colocou ordem e estruturou o caos primitivo. O tempo tem, portanto, de acordo com Platão, uma origem cosmológica. Ele procura estabelecer a distinção entre o “ser” e o “não ser”. O mundo do “ser” é fundamental e não está sujeito a mutações. Ele é, portanto, eternamente o mesmo. Este mundo, entretanto, é o mundo das ideias, apreensível apenas pela inteligência e pode ser entendido utilizando-se a razão. O mundo do “não ser’’ faz parte das sensações, que são irracionais, porque “dependem essencialmente de cada pessoa” (LUCE, 1994).
O domínio do tempo estaria nesse segundo mundo, assim como tudo o que se observa no universo físico, tendo assim uma importância menor. Talvez possa ser dito que para Platão o tempo essencialmente não existe, uma vez que faz parte do mundo das sensações.
O Tempo da Alma
Platão, em Timeu, afirma que o “deus quis que todas as coisas fossem boas”. Portanto, para ele, esse deus:
[…] teve a ideia de criar uma espécie de imagem móvel da eternidade, e, enquanto organizava o céu, criou à semelhança da eternidade imutável em sua unidade, uma imagem em eterna evolução, ritmada pelo número; e é isto que chamamos de tempo. À constituição do tempo, ele combinou o nascimento dos dias, das noites, dos meses e do ano (Platão. Timeu e Critias ou Atlântida, 2002).
Esses princípios mostram a universalidade do ensino simbólico da Maçonaria, em especial na régua de 24 polegadas, pois o ciclo se repete, a cada 8 medições numéricas, num ciclo ininterrupto de 3 medições. Ou seja, a cada hora, a cada dia, mês e ano. Enfim, a régua e os conceitos platônicos nos remetem a nossa própria vida e eternidade.
Santo Agostinho (op. cit) oferece-nos outra reflexão sobre o tempo onde ele opõe a eternidade imóvel num eterno presente e o tempo que passa. Para ele o “Verbo” eterno é o criador de todos os tempos em que a criação pode ocorrer. E no capítulo XIII afirma que não havia tempo antes que o tempo existisse, mostrando que o futuro não existe ainda, o passado já não existe mais e presente vai desaparecer a medida que o tempo avança, sendo portanto efêmero.
Outra contribuição de Agostinho é que do tempo “psicológico” de Aristóteles constrói a ideia de tríade:
[…] passado-presente-futuro que não existem em atos, mas nas representações de nossas mentes, e se existem nas representações de nossas mentes, eles o fazem na forma presente, pois é no presente que concebemos ou imaginamos o futuro e nos recordamos do passado (cap. XVII)”. (ABRÃO & COSCODAI, 1999).
A humanidade tem necessidade de medir o que ela concebe como tempo. A régua de 24 polegadas expressa essa necessidade. Portanto, deve ser dividida em 3 partes iguais, pois aqui o tempo se apresenta como número e, como todos os números, indicando quantidade – quer de tempo ou de horas – não passa de um produto prático de pensamento.
Considerações Finais
A natureza do tempo tem sido um dos maiores problemas desde a antiguidade, quer no que concerne a medição, passagem, fluidez, linearidade ou circularidade, se divino, cósmico ou meramente físico.
Acredita-se cada vez mais que ele é uma das propriedades gerais do pensamento humano ou uma se suas exterioridades e que, para a compreensão e entendimento de nossa humanidade, precisa ser dividido em três dimensões lineares: o passado, o presente e futuro.
Sabemos que devemos a máxima de “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio” a Heráclito (1988), que é o filósofo da transformação e do movimento perpétuo. Conceito que reforça o princípio de que a divisão igual em 24 partes da régua, embora repetida cotidianamente pelos maçons, nunca terá o mesmo objetivo, pois se renova automaticamente, ao final de cada ciclo de 24 horas.
Mesmo sendo uma contraposição ao pensamento de Platão (op. Cit), que, ao defender um “ciclo mítico de eterno retorno”, onde o tempo era um movimento cíclico e assíduo, pois aquilo que acontecia no passado era repetido e retornava (VERNANT, 1992), a régua de 24 polegadas reafirma um conceito de que a repetição insensata de pensamentos e ações, diariamente, traz infortúnios.
Na perspectiva de Kant, o tempo é uma estrutura da relação do sujeito com ele próprio e com o mundo, uma forma “a priori” da sensibilidade, uma espécie de intuição pura e ao mesmo tempo, uma noção objetiva de observação e não extraído da experiência, ou seja, um dos limites para o conhecimento no plano da sensibilidade.
Independentemente do valor material, físico e matemático da medição do tempo, relacionando-o ao passado, presente ou futuro, a medida que o tempo se torna subjetivo ou psicológico, cada ser humano pode vivenciá-lo numa situação agradável, desagradável, lenta, rápida, penosa ou alegre. Conclui-se portanto que o homem, pela sua condição de mortal, é afetado por processos diferentes do que ocorrem no espaço infinito.
Há uma assertiva na Maçonaria brasileira de que “somos todos aprendizes”. Sendo assim, a régua de 24 polegadas, pelo menos teoricamente, nos acompanha sempre. Se seu simbolismo é usado junto com a nossa capacidade mental de reter acontecimentos e imagens passamos a ter uma condição fundamental para as características fundamentais da vida social, o que inclui obrigatoriamente a necessidade de “tempo” para nós mesmos e para nossas famílias.
Referências
ABRÃO, B.S.; COSCODAI, M.U. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
ALCÂNTARA FILHO, N. Irmãos, Ajudai-me a Abrir Loja. São Paulo: Madras, 2012.
ARISTÓTELES. Physique IV, Traité du temps. Paris: Kimé, 1995.
BAYARD, J. P. A Espiritualidade da Maçonaria: da Ordem Iniciática Tradicional às Obediências. São Paulo: Madras, 2004.
BURNET, J. O Despertar da Filosofia Grega. Trad. M. Gama. São Paulo: Siciliano, 1994.
HERÁCLITO. Fragments et Témoignages, Les Présocratiques. Paris: Gallimard, 1988.
HEIDEGGER, M. Platão, o Sofista. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2012.
LUCE, J.V. Curso de Filosofia Grega. Trad. M.G. Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
PLATÃO. Timeu e Critias ou Atlântida. Rio de janeiro: Hemus Editora, 2002.
RAGON, J. M. Ritual do Aprendiz Maçom. 8ª Ed. São Paulo: Pensamento, 2005.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. Rio de Janeiro: Editora Paulus, 1997.
VERNANT, J. P. As origens do Pensamento Grego. Trad.
I.B.B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 7ª ed., 1992
sábado, 6 de junho de 2020
Existe ainda relevância na Maçonaria?
A questão de se a Maçonaria ainda é relevante em nossa sociedade em constante mutação é frequentemente colocada em fóruns maçônicos e por profanos. Isso indica que é de importância a muitos, a maioria Irmãos. Além disso, a questão é frequentemente colocada quando se discute as condições nas quais nossas Lojas estão atualmente; talvez até mesmo um desespero ante o que parece ser o futuro da Maçonaria. Na minha opinião, esse é um aspecto um tanto limitado de “relevância,” isto é, a habilidade de contribuir positivamente à solução dos problemas ou entraves defrontados pela Maçonaria e pelos Irmãos, como tais, em suas vidas diárias.
O dicionário Webster define “relevante” como:
“Etimologia: Latim medieval relevant-, do latim, particípio presente de revelare alçar. 1. Ter suporte significativo e demonstrável no assunto em questão 2. Suprir evidências tencionando provar ou desprovar qualquer assunto em debate ou sob discussão <testemunho relevante> 3. Ter relevância social 4. A qualidade ou estado de ser relevante; pertinência; aplicabilidade.”
Para os propósitos deste trabalho, eu enfatizaria as últimas duas definições. Apesar de tudo, queremos nos certificar de que o que fazemos vale nossos esforços!
Tentarei lidar com essa questão principalmente de seus aspectos morais. No entanto, seria quase impossível apresentar um tratado completo em artigo. Uma discussão completa necessita provas de toda alegação ou opinião, o que está além do escopo de minhas presentes reflexões. O que permanece é um esforço para apontar brevemente diversos ângulos possíveis de “relevância” e deixar para os leitores desenvolverem essas questões.
Quando discutindo a “relevância” em nossas vidas de sermos maçons, devemos distinguir entre quatro aspectos principais:
a. a Maçonaria é relevante para minha vida diária?
b. outras pessoas consideram o fato de eu ser maçom como afetando minhas atitudes e ações, o que prova sua relevância a mim?
c. tem a Maçonaria, como uma organização, qualquer relevância às sociedades atuais, da forma que ela existe?
d. a sociedade considera nosso corpo maçônico como relevante para resolver os problemas presentes ou futuros da sociedade humana?
No texto a seguir tentarei lidar apenas com o primeiro aspecto acima. Parece-me que aquilo que as outras pessoas pensam acerca de nós como maçons ou de nossa organização não causa dúvidas sobre nossa relevância entre irmãos. Somos nós quem temos de nos convencer de que pertencer à Maçonaria é de valor para nós como indivíduos.
A maioria de nós nos defrontamos com expressões de dúvidas ou mesmo de ridículo quanto à Maçonaria. Às vezes, podemos também duvidar da relevância de nosso Ofício Antigo à nossa célere e mudadiça sociedade. Quando usamos a frase “um peculiar sistema de moralidade,” levamos estimamos os ensinamentos morais de nosso sistema como relevantes para nossas vidas e para os julgamentos morais que temos de fazer, ou é tudo passeé? A fim de responder essas questões, devemos voltar aos nossos ancestrais, que se encontravam para espiritualizar ou moralizar, como costumavam chamar seu filosofar. Parece que nós temos de nos fazer quatro perguntas:
a. a necessidade de socializar do homem com os outros mudou?
b. a necessidade de sentimentos fraternais próximos deu completamente lugar à necessidade apenas de conquistas pessoais?
c. a necessidade de se discutir ou ponderar sobre questões morais deixou de existir?
d. todas essas mudanças necessitam de uma alteração de nossos princípios morais?
Vamos tentar examinar essas quatro questões.
a. A necessidade do homem de socializar
Quanto à primeira pergunta, espero que você concorde comigo em que a necessidade do homem de socializar certamente não desapareceu. Os motivos podem ter mudado, talvez os propósitos para socializar com os outros servem para outros fins também, mas a necessidade real do indivíduo ainda existe. O homem continuou um animal social e, a despeito dos meios de comunicação modernos, ainda precisamos de contato humano direto.
Ao mesmo tempo, devemos entender que as implicações da ênfase de sermos uma fraternidade, de reter relações fraternais. Sem uma longa discussão de significados sociológicos, pode-se seguramente dizer que tal relacionamento é baseado em um laço emocional. Jaz na esfera das interrelações familiares e apenas pode existir quando há envolvimento pessoal. Quando encontramos um estranho pela primeira vez, todos sabemos o que sentimos assim que descobrimos que esse estranho é um Irmão. Pense em quanto logo nos abrimos um para com o outro, trocando experiências. Em minha visão, isso é uma prova da importância que vinculamos ao pertencer à nossa fraternidade antiga e ao seu sistema de princípios morais.
b. Competitividade versus fraternidade
Sem dúvida, nas democracias modernas ocidentais vivemos em uma sociedade competitiva, uma sociedade orientada à conquista. Espero que concorde comigo em que esses aspectos de nossa vida moderna não anulam, de modo algum, nossa necessidade de socializar. A sociedade moderna fez-nos mais competitivos e com uma necessidade clara de provar a nós mesmo aquilo que fazemos. No entanto, devemos nos perguntar se conquistas pessoais se tornaram, em todos os casos, mais importantes do que o contato (emocional) pessoal. Tornou-se predominante em nossas atividades diárias, sobrepassando todo o resto? Em minha visão, a resposta é: NÃO. Ainda temos a necessidade de nosso lugar.
Ao mesmo tempo, devemos entender que quando usamos o termo “Irmão” queremos dizer uma ligação emocional, típica de grupos pequenos como nossa célula familiar. Sem investigar exaustivamente as teorias sociológicas acerca de grupos pequenos[1], espero estar sendo claro a todos, por suas experiências pessoais, que, em tais grupos sociais pequenos, forças aumentando a coesão são entendidas como legítimas e devem ser reforçadas, enquanto que a competição dentro de tal grupo pequeno é considerada ilegítima e é fortemente censurada. Não só é considerada ilegítima, mas também origina antagonismos emocionais muito fortes. Segue que, tão logo haja duras competições entre irmãos dentro de uma Loja, elas originarão reações emocionais muito fortes. Pode-se reduzir uma Loja a migalhas. Uma caracterítica típica de grupos pequenos é que eles são monolíticos e não permitem diversidade. Em oposição a isso, nossa sociedade moderna é baseada na diversidade. Por que motivo pregamos tolêrancia e moderação? Certamente esperamos que os irmãos deixem seus antagonismos do lado de fora das portas da Loja, para que se conserve a harmonia.
Do que eu acabei de dizer devemos perceber que aí existe uma tensão inerente entre nossa competitividade e nosso comportamento orientado à conquista fora da Loja e o envolvimento fraterno entre nós como Irmãos na Loja e como maçons. No mais, ela pode indicar porquê competições dentro de nossas Lojas frequentemente originam tensões fortes e porquê é oposta ao que consideramos relações fraternas.
c. A necessidade de se discutir assuntos gerais
Apesar de nos comprometermos não discutir política e religião (fé) nas Lojas, parece-me que a troca de visões acerca de questões morais é ainda uma necessidade do homem moderno. Pode até ser uma das atrações da Maçonaria. Moralizar, como nossos ancestrais o fizeram.
O que parece a mim ser de extrema importância é que entramos em uma Loja, e na Maçonaria, para satisfazer outras necessidades. Um neófito Iniciado geralmente sente que ele tem oportunidades suficientes para competir fora da Maçonaria e da Loja. Parece que quando tudo é dito e feito, depois de cuidarmos de nossas necessidades materiais, depois de garantirmos todas as nossas necessidade pessoais e familiares, ainda precisamos satisfazer nossas necessidades sociais e espirituais. É isso que temos como objetivo atingir nos tornando irmãos desse laço místico. Tornando-nos Maçons.
Em minha visão, um dos fatores influenciando a força ou a fraqueza da Maçonaria hoje é nossa percepção de que devemos satisfazer essa necessidade ou fazer perder o interesse de muitos Irmãos jovens. Aqueles que vêm buscando relações intelectuais – pelo menos como fator adicional – desapontar-se-ão e logo saem. Esse é o motivo pelo qual considero satifazer as necessidades intelectuais como uma parte importante de nossas Lojas.
d. Devemos mudar nossos princípios de moralidade?
Vamos nos voltar à questão de princípios morais e se eles, também, mudam rapidamente no ritmo em que sociedade moderna muda. Começemos concordando que não apenas a sociedade humana muda ao longo do tempo, mas que o grau de mudança aumentou imensamente, criando novas condições e novos problemas. A situação a qual chamamos de “A Vila Global,” com seus meios modernos de comunicação, sem dúvida mudou muitos aspectos de nossa vida. Entretanto, espero que concorde comigo em que os princípios básicos de moralidade permaneceram inalterados, mesmo que suas utilizações possam ter mudado ao longo do tempo.
Consideremos dois exemplos. A questão da igualdade é o primeiro princípio que vem à minha mente. No século XVIII, “todos os homens nascem iguais” significava apenas a nobreza. Então se incluiu a burguesia e finalmente todos os homens foram incluídos, apesar de mulheres não serem consideradas “iguais”: foram as últimas a ser incluídas.
É mais provável que nós fomos os originadores do direito à auto-determinação, que se tornou lentamente aplicável aos direitos nacionais no século XIX e seguinte, e o direito das nações influenciaram a questão das minorias e de seus direitos. Como podemos ver, o princípio começou aplicável apenas a uma parte da sociedade e lentamente se ampliou para englobar todos os seres humanos.
Esses são apenas dois exemplos. O princípio da igualdade fora discutido em Lojas maçônicas e adotado por reformistas sociais. Começou com a igualdade de direitos (políticos e judiciais), mas é agora aplicado como igualdade de oportunidades a todos, sem considerar raça, religião e sexo. A idéia do estado de bem-estar social é uma descendente direta dos princípios morais adotados primeiramente por maçons. Agora, como maçons que se “encontram no nível,” acreditamos que ele se aplica apenas a nossos irmãos, ou aceitamos a aplicabilidade mais abrangente do princípio da igualdade? Como maçons, temos algo a dizer sobre a desigualdade na sociedade fora de nossa Loja? Temos o que dizer sobre abusos dos direitos da minoria? Isso não é relevante para nós como cidadãos?
Espero que concordem comigo em que o que acabamos de dizer significa que a necessidade de se discutir questões morais com os outros permaneceu inalterada. Eu dou um passo mais além e digo que há uma necessidade de se avaliar constantemente os princípios de si mesmo e os ajustar quando necessário para novas situações. Em outras palavras: quando falamos do princípio do governo da maioria, também predominante na Maçonaria, estamos na verdade discutindo princípios morais maçônicos que tipificam qualquer sistema democrático de vida. É a necessidade constante de um cidadão democrático conferir os limites de sua liberdade contra aqueles do seu próximo; os direitos dele contra aqueles de outros; os limites que devem ser colocados sob o governo da maioria. Então, também aqui, devemos concluir que os princípios de nosso “peculiar sistema de moralidade” ainda são válidos como o eram há décadas. Nosso sistema é “peculiar” no modo pelo qual é ensinado através de símbolos e alegorias. Essa é a única peculiaridade de nosso sistema.
Então, a Maçonaria ainda é relevante?
O que tudo o escrito acima tem com a Maçonaria? Tudo! A Maçonaria é um sistema de moralidade que nos ajuda a nos reformar de acordo com princípios morais ideais. Fazer o que Sócrates chamou de “viver a boa vida,” significando: a única vida que vale ser vivida, uma vida de acordo com os princípios morais de si mesmo. Temos todos sucesso? Certamente não! Sendo seres humanos normais – pelo menos espero que sejamos -, temos nossas fraquezas humanas. Nem sempre conseguimos o que esperamos, mas ao menos nos empreendemos a tentar chegar o mais próximo a esse objetivo. Não é melhor assim, mesmo se somente um pouco?
É interessante que a Maçonaria floresce em sociedades na quais homens têm crenças arraigadas e um senso de compromisso. Uma atmosfera na qual alguém tem como seu dever lutar pelas causas nas quais ele acredita. A Maçonaria não pode florescer em uma sociedade na qual haja uma atmosfera de apatia devido à visão de que nada pode ser feito para alterar injustiças, nem da qual o homem se sinta alienado.
Deve-se talvez perceber que novos movimentos de extremistas políticos e religiosos, de fundamentalismo, têm crescido por todo o globo e estão tentando obter supremacia. O que nós, como maçons, temos a dizer sobre isso, baseado em nossos princípios morais?
Preciso dizer mais? Parece-me que em toda sociedade moderna a Maçonaria pode contribuir para uma melhor atmosfera social e uma maior sensibilidade às necessidades de todos os membros dessa sociedade. Especialmente os fracos e os necessitados. Como maçons, devemos nos orgulhar disso.
Como organização, nós nos abstemos de nos envolver em assuntos políticos e religiosos, mas maçons – como pessoas físicas – são parte de uma fraternidade internacional de homens que expressaram seu compromisso com certos princípios morais e com sempre os conservar, de homens que poderiam influenciar a sociedade dando bons exemplos. Não pregamos nem damos publicidade a nossas contribuições. Por outro lado, empreendemo-nos em nos certificar e re-certificar constantemente, e tentar ser dignos do título “homo sapience.” Estamos prontos para ser – ao menos em parte do tempo – mais atenciosos com os outros e mais críticos de nós mesmos, e não dos outros? Nossa própria vida se tornará mais rica como resultado de sermos maçons em ações e em pensamentos?
Bem, deixo para que cada um de vocês reflita sobre isso.
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