Choque de gerações, novos
tempos, entre outros assuntos que envolvem mudanças na Maçonaria costumam gerar
bastante polêmica.
No entanto, este artigo
se propõe a demonstrar que nem tudo é o que parece e que, muitas vezes, aquilo
que é interpretado como um problema da modernidade, na realidade, não tem nada
de novo.
Antes da Era da
Informação, a Maçonaria brasileira no geral, bem como uma grande quantidade de
lojas em particular, viviam numa espécie de bolha de realidade, isoladas do
restante do mundo e da história maçônica em uma série de coisas. Afinal,
manuscritos, livros e até mesmo conversas com o resto do mundo ficavam
restritos a uns poucos.
Mas a realidade atual é
outra. E, através de dez exemplos reais, este artigo demonstrará que
muitas vezes aquilo que é percebido como uma mudança ruim, na realidade, nada
mais é do que um fenômeno antigo.
1) RITUAL CANIBALIZADO?
Algum tempo atrás um irmão me ligou e dizia-se chateado com os
desdobramentos do Rito Escocês Antigo e Aceito no Grande.Segundo ele, o ritual
havia sido canibalizado e havia uma insatisfação geral na loja com seu
conteúdo. Cogitavam até trocar de Potência.
Pedi pra ver o ritual e
pude constatar que diversos dos enxertos que foram feitos ao rito nas últimas
décadas haviam sido removidos. De modo que aquele era um dos rituais mais
próximos do ritual francês de 1829 em prática aqui no Brasil. Quando esclareci
isso a meu amigo, ele demonstrou enorme surpresa.
Não importa se alguém é
contra ou a favor da revisão dos rituais e eliminação dos enxertos. Fato é que,
muitas vezes, os rituais revisados podem se basear numa prática mais antiga.
Não se pode considerar que isso seja uma inovação!
2) SEM ENTRADA RITUALÍSTICA
Numa crítica em 2019/2020
às sessões virtuais, presenciei alguns irmãos dizendo que não poderiam
considerar aquilo como sessão porque não havia como ter entrada ritualística em
uma sessão virtual.
Independente da posição
que alguém tenha sobre sessões virtuais, ocorre que entrada ritualística não é
prevista em diversos ritos ou trabalhos. Alguns ritos, entre outros, preveem
que os trabalhos comecem com os irmãos já em loja.
Mesmo no Rito Escocês
Antigo e Aceito, a entrada ritualística não consta nos primeiros rituais. O que
não quer dizer que ela seja ruim. Apenas, não se define Maçonaria a partir
desse fato.
3) CONTRA O ESPÍRITO DA COISA?
Outra crítica às reuniões
virtuais diz que conceder graus de forma virtual quebraria o espírito da coisa,
já que não teríamos ritualística e a passagem se resumiria a uma mera leitura.
A crítica a isso ser um
processo sem graça e bem inferior à teatralidade e às cerimônias das sessões
não deixa de ser bastante válida. O problema é que novamente isso é apontado
como um problema moderno.
Se alguém atentar para os
rituais originais de Charleston do REAA, produzidos no começo do século 19,
verá que a ritualística era extremamente simples e os graus eram quase que
essencialmente leitura.
A teatralização e maior
elaboração das cerimônias foi algo que começou a ser desenvolvido meados do
século 19 em diante.
4) USO DE NOVAS TECNOLOGIAS
Outro problema apontado
como recente seria o uso de novas tecnologias.
Porém, uma gravura
datando de cerca de 1900, no acervo do museu do Rito Escocês do Supremo do
Norte dos EUA (Alexandria-Virginia) mostra um retroprojetor sendo usado em loja
para ilustrar o conceito dos graus.
Em outras palavras, a
Maçonaria já incorpora novas tecnologias a favor de suas sessões há mais de 120
anos!
5) A MAÇONARIA AGORA ACEITA MULHERES?
Recentemente, a Grande
Loja Unida da Inglaterra postou uma foto conjunta com a Maçonaria feminina.
A foto gerou vários
comentários raivosos de maçons brasileiros mas, o que chamou a atenção foram
alguns comentários reclamando da ‘modernidade’ no aceite de mulheres na
Maçonaria, o que uns classificavam como traição, outros como comércio, uns
tantos ainda como o presságio apocalíptico do fim da Maçonaria.
Ocorre, porém, que
existem duas Grandes Lojas femininas na Inglaterra com quem a GLUI tem amizade:
a Honourable Fraternity of Ancient Freemasons, que foi fundada em
1913, e a Order of Freemasonry for Women, que se tornou
estritamente feminina na década de 1920.
Como se pode ver, a
Maçonaria feminina na Inglaterra tem literalmente mais de um século. Além de
décadas de amizade com a GLUI. Ou seja, não se trata de uma questão recente. Mas
ainda são, as mulheres de um lado, e homens de outro. As coisas se dão por r tratados
políticos, só isso. O Landmark 18 não foi extinto. Atentem a isso.
6) ESTÃO DESRESPEITANDO OS LANDMARKS?
Analogamente, não é
incomum ver maçons alegando que algo vai contra os Landmarks quando veem coisas
que lhes causam estranheza. E qual não é o espanto de muitos ao saber que os
landmarks de Mackey, criados em 1858, nunca foram adotados como critério pela
Inglaterra, que é quem mais dá as cartas em termos de regularidade maçônica no
mundo e tem seus próprios Princípios de Regularidade, nem são
adotados como padrão universal pelas Grandes Lojas norte-americanas.
Isso sem contar que, ao
longo do século 19, vários compilados de landmarks foram propostos por autores
diferentes. Nenhum deles foi adotado de forma universal.
Discussões, portanto,
revolvendo em torno de coisas que destoam os landmarks de Mackey também não
podem ser tratadas como inovações.
7) REVISIONISMO?
Não são poucos os que
vociferam contra irmãos que se levantam para denunciar as ideias e alegações
fantasiosas de autores como Rizzardo da Camino, Jorge Adoum, Jean-Marie Ragon,
entre outros. Alegam que fazer tal coisa seria matar a alma da Maçonaria.
Mas, novamente, essa questão
está longe de ser uma atitude revisionista moderna.
Muito pelo contrário, a
própria loja Quatuor Coronati 2076, da Grande Loja Unida da
Inglaterra, foi fundada exatamente porque os maçons ingleses já questionavam
desde, pelo menos, meados século 19, as ideias fantasiosas propagadas por
alguns sobre as origens e desenvolvimentos da Maçonaria.
E os registros históricos
da Quatuor Coronati indicam que a loja questionava ideias
lendárias propagadas por ninguém menos do que o próprio James Anderson, autor das
famosas constituições que carregam seu nome.
Ou seja, a Maçonaria
nunca teve um autor como sagrado ou acima de qualquer crítica, e sempre teve
pessoas que criticaram a romantização de suas origens.
8) MAÇONS NÃO ESTUDAM MAIS?
Igualmente é comum ver
irmãos reclamando que nos tempos deles os estudos eram sérios e supostamente
muito mais conhecedores de Maçonaria do que atualmente, como se os tempos
atuais fossem piores.
No entanto, em 1875,
Albert Mackey fez a seguinte reclamação:
“No entanto, nada
é mais comum do que encontrar maçons que estão em trevas totais sobre tudo o
que se relaciona com a Maçonaria. Eles são ignorantes de sua história – eles
não sabem se é uma produção de cogumelos hoje, ou se remonta a idades remotas
em sua origem. Eles não têm compreensão do significado esotérico de seus
símbolos ou suas cerimônias, e dificilmente estão familiarizados com seus modos
de reconhecimento. E, no entanto, nada é mais comum do que encontrar tais
pseudo-sábios de posse de altos graus e às vezes honrados com assuntos elevados
na ordem, presentes nas reuniões de lojas e capítulos, intermediando com o
processo, tomando uma parte ativa em todas as discussões e teimosamente
mantendo opiniões heterodoxas em oposição ao juízo de irmãos de maior
conhecimento.” (Reading Masons and Masons Who Do Not Read)[1]
Ou seja, o problema de
haver uma grande quantidade de maçons ignorantes, e pior, ostentando altos
graus, cargos administrativos, etc. não é exatamente um problema novo.
9) AVENTAIS
Outra discussão que
recentemente presenciei dizia respeito ao Rito Escocês Antigo e Aceito nas
Potências da COMAB. Alguns irmãos reclamavam que a COMAB teria “suprimido as
rosetas” em prol do típico M. B. no avental de Mestre.
Outros ainda discutiam o
padrão dos aventais de Mestre Instalado. Novamente, acusando alguns de quererem
inovar.
Ocorre, porém, que um
manual dos graus franceses publicado em 1820, em Paris, descreve o ritual de
Mestre como tendo justamente o M. B. utilizado pela COMAB.
E, pra piorar, temos o
fato de que Instalação é algo inexistente na origem do Rito Escocês Antigo e
Aceito, tendo sido incorporada ao rito aqui no Brasil e em outros países. Ou
seja, na origem, o REAA não tinha avental de Mestre Instalado, de modo que não
importa o padrão, já que não há um padrão original a ser seguido.
10) EGRÉGORA
Outra preocupação muito
constante entre alguns irmãos é que determinadas posturas corporais ou pequenos
desvios ritualísticos possam comprometer a egrégora da loja. Reclamam que as
novas gerações não atentam para coisas que poderiam supostamente quebrá-la.
Sem entrar no mérito da
questão de se egrégora existe ou não, fato é que até pouco tempo atrás não se
ouvia falar tal termo em Maçonaria. E ele certamente não figura em nenhum
ritual histórico da Maçonaria nos seus principais ritos e sistemas.
Ou seja, ironicamente, o
conceito de egrégora é, em si, a inovação, não os desvios que poderiam
supostamente comprometê-la!
Considerações
finais
A lista poderia
continuar, com dezenas de outros exemplos, mas os dez acima já são mais do que
suficientes para ilustrar o ponto.
Como se pode perceber,
uma parte considerável dos incômodos levantados por alguns irmãos com as
supostas mudanças ou inovações dos tempos atuais ou das novas gerações estão
muito longe de ser assim. Pelo contrário, às vezes representam até mesmo um
resgate de práticas mais antigas.
É importante compreender
que a postura do “porque sim” ou do “sempre fizemos desse jeito nesta loja”,
para justificar ideias ou práticas, não sobrevivem à possibilidade de
escrutínio que a Era da Informação nos trouxe, em que fontes podem ser checadas
e informações outrora tidas como verdadeiras podem ser facilmente invalidadas.
A Maçonaria não corre,
portanto, risco de extinção por esse processo. Nem é justo atribuir tais
coisas, como alguns fazem, ao “danoso espírito inovador.”
Ela poderá uma dia
acabar, por causa da “ignorância” dos Irmãos.