sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A Vaidade

A vaidade tão comum à espécie humana , foi a causa da tragédia de Narciso na mitologia grega, se encontra entre os 7 pecados capitais, é citada em obras de autores famosos, merecedora de análises e ensaios de comportamento, e há tempos nas modernas sociedades de consumo, foi descoberta pela publicidade como poderosa ferramenta da psicologia.

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Da natureza humana, a vaidade é um dos vícios mais famosos e contraditórios. Algumas pessoas a assumem, outras a negam, mas o fato é que a vaidade é inerente a toda personalidade. Ao que tudo indica o ser humano é o único animal vaidoso porque é o único que tem consciência de si mesmo. Mas estariam as sociedades modernas criando gerações de narcisistas? Basta olhar os reality shows e as redes sociais. Vivemos em tempos de “amai a si próprio sob todas as coisas.”
É certo que se enfeitar para si e para os outros é um ritual humano que se encontra em todas as culturas desde a ancestralidade, e tem a ver com a nossa auto estima. Porém, há tempos a vaidade deixou os limites do mero comportamento biológico e tornou-se o principal ingrediente na ditadura do culto à aparência, um imperativo poderoso que produziu até doenças psíquicas que em outros tempos nunca se ouvia falar, e faz com que pessoas transformem o corpo até deformá-lo. Oscar Wilde já no século 19 em sua obra O retrato de Dorian Gray abordava o culto à beleza e sua efemeridade. Num diálogo entre Dorian Gray e seu amigo Lorde Henry, dizia: “A beleza, a verdadeira beleza, acaba onde principia a expressão inteligente. A beleza é uma forma de gênio...mais elevada que o gênio, pois dispensa explicação”, ironiza Lorde Henry. “O senhor dispõe só de alguns anos para viver deveras, perfeitamente, plenamente. Quando a mocidade passar, a sua beleza irá com ela; então o senhor descobrirá que já não o aguardam triunfos, ou que só lhe restam as vitórias medíocres que a recordação do passado tornará mais amargas que destroçadas.” dorian-gray-2.jpg 
A vaidade gera às vezes o filhote perverso da ganância, que levará ao desejo incontrolável pelo poder, pela fama e por dinheiro, e a não ter medidas para obtê-los; tudo para alimentá-la, e quanto mais a alimento maior ela fica. É um narcisismo doentio que já não me deixa perceber o outro. Estamos cheios de exemplos na política, nas mídias e em todas as instituições públicas ou privadas. Nietzsche com sua contundência dizia que “a vaidade dos outros só vai contra o nosso gosto quando vai contra a nossa vaidade.”
Para a escritora Jane Austen, a vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho estaria mais relacionado com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós. O orgulho estaria assim muito mais associado à dignidade pessoal. No entanto parece haver uma fronteira tênue entre uma coisa e outra. Onde começa o orgulho e termina a vaidade e vice versa? Como dosar, como equilibrar a vaidade para não perder a noção da realidade e a percepção do próximo?
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Talvez tenha mesmo fundamento a expressão: “vaidade da vaidade, sempre vaidade, tudo é vaidade.” Dorian Gray diz que entregaria até a alma para eternizar sua beleza e juventude, se por um milagre se desse o contrário e a imagem do retrato fosse envelhecendo e ele permanecesse jovem para sempre.
Talvez seja a vaidade um dos mais perniciosos e silenciosos vícios que assolam a humanidade; não é por nada que se encontra arrolado como um dos sete pecados capitais que, segundo o catolicismo cristão, é um vício mortal à alma.
A vaidade ocupa um lugar em nós, por pequeno que seja; ela estará escondida em alguns e mais exposta em outros, da mesma forma que sua intensidade se altera de pessoa para pessoa, conforme o nível de domínio da personalidade de cada um e ela pode se disfarçar em muitas caras, porém a raiz será sempre a mesma.
O grande segredo do filósofo, o homem que busca tornar-se melhor, é encarar esta realidade e trabalhá-la de uma forma inteligente e eficaz. Para tanto, necessário se faz conhecer sua origem, sua raiz, pois simplesmente abafar seus efeitos, suas manifestações, não é suficiente para definhar sua raiz.
Um grande passo em direção à morte da vaidade é a própria postura de, sem medo, encarar a nossa realidade, pois quando fazemos isso, reconhecendo o quão imperfeito somos, e o quão culpados somos dos nossos próprios males, estamos exatamente trabalhando a virtude que se opõe à vaidade, e a esta virtude chamamos humildade.
A vaidade é prima irmã do orgulho. Enquanto o orgulho nos compele a exercer nossa vontade sublimando a vontade do outro, colocando a nossa personalidade sempre em destaque, a vaidade se incumbe de vestir esta auto-imagem, ou seja, enquanto o orgulho é o estado de espírito pleno de quem é na realidade vazio, a vaidade incumbe-se de maquiar o orgulho para o mundo externo.
Por este motivo, o vaidoso comumente exagera nos cuidados da sua apresentação pessoal aparentemente impecável, expressa-se por palavras pouco comuns aos ouvidos do ouvinte, não raramente se coloca em um pedestal sem ser questionado, faz questão de declinar seu curriculum e sempre com doses de exageros, procura evidenciar suas qualidade intelectuais sem poupar referências à sua própria pessoa, sempre demonstra um dote a mais que jamais se oferece a ensinar, demonstra intolerância para com os mais simples, sempre valoriza mais o título do que a condição de merecê-lo, jamais reconhece seus erros, mantém-se obtuso quanto à sua auto imagem e imagina ser algo que não é, por isso necessita convencer os demais e sobretudo a si mesmo.
Lembremos o mito dos metais contado por Platão, que afirmava que o homem que tinha o ouro interno era o sábio, pois exatamente por possuir este ouro interno, não precisava buscar o ouro externo. Com o vaidoso ocorre exatamente o oposto.
Vale a pena ressaltar que a vaidade se disfarça camuflando-se de virtudes, que a uma pessoa pouco observadora por algum tempo pode enganar, mas infelizmente na maioria das vezes este subterfúgio do vício engana por muito tempo o seu próprio senhor que agora está na condição de escravo.
Quando questionado sobre seu exagero nas aparências, o vaidoso certamente se valerá de subterfúgios, afirmando estar sendo zeloso consigo mesmo pelo grande amor próprio que desenvolveu e, quando questionado sobre sua pedância intelectual, certamente a chamará de erudição.
Há também um outro tipo de camuflagem, onde nem sempre o orgulhoso demonstra a vaidade, pelo contrário, ele procura demonstrar um desprendimento quanto à sua aparência, como se quisera demonstrar uma humildade que não existe.
A vaidade pode ocultar-se ainda, no medo de errar, mas o que de fato importa é compreendermos que tudo isso não passa de falsos caminhos, que nos iludem e nos tomam a vida. Aristóteles nos ensina que a melhor forma de combatermos um vício é trabalharmos a virtude contrária, como um ferreiro que ao desentortar uma barra de ferro bate fora e não dentro.