Hoje à noite, à meia noite em ponto (hora em que se
fecham as Lojas), após assistir e participar de uma magnífica sessão maçônica
na nossa pequena a aconchegante Loja onde fomos brindados com visitantes, fui
abordado por minha mulher que perguntava como foi a reunião. Evidentemente,
pus-me a contar que hoje houve harmonia e a grata visita de um irmão que nos é
muito caro que provavelmente venha a se filiar.
Contei que tudo passou bem,
havia eu feito uma exposição sobre o avental maçônico e recebido lições sobre
as funções do primeiro e segundo vigilante do visitante que palestrou conosco.
Minha mulher é interessada nos assuntos que me digam respeito porque, é óbvio,
dizem respeito à família. Esse envolvimento é extremamente reconfortante para
mim que não raras vezes ponho-me a doar o parco tempo de lazer íntimo para o
estudo da literatura maçônica. Tal narrativa de cunho pessoal é conveniente
para trazer à lume uma discussão por demais oportuna e interessante para os
nossos irmãos , que se pré-dispõe a abandonar alguns mitos para abraçar o
sentido mais primitivo da Maçonaria. Assim sendo, insta demarcar as balizas
entre sigilo maçônico, discrição maçônica e segredo absoluto.
Todos os iniciados maçons juram solenemente manter os mistérios da Ordem sob o
mais absoluto silêncio, fazendo assim um voto característico das ordens
regulares. Contudo, é preciso urgentemente destacar que a temática maçônica
nunca foi e nem permanece sendo sigilosa. Ao contrário, os assuntos que
gravitam sobre os graus simbólicos e filosóficos não resistem à pesquisa
sistemática na Internet e em bibliotecas mais privilegiadas, porquanto ou a
Maçonaria emprestou de tradições antigas os seus paradigmas ou, ao contrário,
doou seu próprio ensinamento para o mundo. Portanto, a simbólica maçônica não é
sigilosa, não estando sobre o manto do juramento que realizamos.
Aliás, afora a trolha e o avental, não há simbólica propriamente maçônica,
tendo a Arte Real tomado de empréstimo símbolos, ritos e formas de outras culturas,
desde o século XVIII, culminando na grande transformação havida no século XIX.
O uso do compasso como instrumento de retidão já era conhecido, assim como a
medição da vida terrena com o compasso. Colunas, romãs, acácias, pisos, painés,
zodíaco, malhetes, jóias, iniciação, elevação e tantas outras práticas
corriqueiras de nossos trabalhos simbólicos, tudo o mais não se pode atribuir à
Maçonaria Operativa, pois de lá somente temos a figura da trolha e o uso do
avental de pele, com o couro para fora e o pêlo para dentro, a fim de proteger
o peito, quadril e pernas dos materiais brutos com os quais os pedreiros
trabalhavam. Assim sendo, é muito comum qualquer estudioso de "arquétipos
junguianos" não só compreender de pronto os signos maçônicos como também
dar palestras a maçons muito experientes e instruidos. Basta a coordenação da
leitura das escrituras bíblicas, a ciência relativa da cultura judaica, egípcia
e bastante estofo histórico, para que nada seja novidade ao pesquisador.
Não é por outra razão que ficamos bastante confortáveis ao levar às
algumas Lojas, alunos do ensino
fundamental e médio, quando ministrávamos aula de História Geral e do Brasil.
Para compreender algumas particularidades das épocas em foco, era especialmente
conveniente que meus alunos tomassem ciência do clima, do local, das impressões
totalmente particulares que a Maçonaria inspirou naqueles momentos vitais da
História da Humanidade e do Brasil. Jamais tivemos que falar uma palavra
sequer sobre símbolos. Bastava perguntar a um aluno de sétima série:
"para você, o que o Sol simboliza nesse Templo?". E lá vinha a
resposta certeira - vitalidade, virilidade, força, renovação, nascimento,
renovação, transformação. E, mais adiante, perguntava a um aluno da oitava
série: "para você, o que a Lua representa aqui?". De pronto, sapecava
a resposta surpreendentemente exata - é o contrário do Sol, significa
fertilidade, escuridão, reflexão, fecundidade, inércia, feminilidade. Isto é,
meus alunos sabiam o que o inconsciente coletivo informava ao homem e à mulher
ocidental. Aliás, meus irmãos, no mundo de imagens, os símbolos ganharam novo
sentido e imperam com mais força que nunca. É muito natural que o homem médio
saiba exatamente o que inspira um símbolo aplicado em determinadas circunstâncias.
Por isso mesmo, defendemos que já é hora de pôr fim à "mítica
maçônica" de que os símbolos e assuntos internos são eminentemente
secretos, sendo perjuro aquele que os revelar a terceiros. Mito é mito e não
resiste à análise aprofundada. É claro que não propomos aqui que o Templo
Maçônico vire local de visitação pública ou de palestras abertas com alunos de
ensino fundamental, médio ou superior. Contudo, aquele antigo "tabu"
de que tudo relacionado à Arte Real é, em si secreto, deve acabar. Muito ao contrário
- os maçons devem ser os primeiros a mergulharem no universo da simbologia que
os especialistas da área dominam com ciência e estudo compenetrado.
Recomendam-se palestras com psicólogos a fim de perquirir a origem, as
interpretações e o emprego de símbolos milenares. Recomenda-se, de outra banda,
reserva quanto aos comentários gratuitos de assuntos maçônicos em público. Mas não por
"dever de sigilo", mas pela discrição que informa que o maçom não
deve se exibir ou fazer da Maçonaria um status social. O mistério, segundo os
estudiosos de psicologia, serve para instigar, fomentar a curiosidade humana,
fazendo com que o espírito de aventura e pesquisa possa conduzir à valorização
do conhecimento oculto por qualquer razão. Para escritores maçônicos (Kurt Probber,
Castelanni, Luiz Gonzaga, Assis Carvalho, Bolcher), a prática do mistério induz
o maçom a resgatar valores simples, tornando-os tão caros. É justamente por
isso que os graus superiores são particularmente interessantes, nessa altura.
Feito esse comentário sobre a questão simbólica, importa saber o que realmente
é sigiloso. Por secreto, recoberto pelo juramento constante da iniciação,
elevação e exaltação para qualquer patamar maçônico, está a liturgia e os
sinais característicos de cada grau e apenas isso. A qualquer maçom ativo ou
adormecido, é terminantemente vedado repassar ao público a aos seus parentes
mais próximos a palavra sagrada, a palavra de passe, a marcha, os sinais de
identificação, as batidas do grau, e demais aspectos litúrgicos e sinalizadores
do grau. Não porque, mediante pesquisa, um terceiro não possa obter as
informações, mas em respeito absoluto à palavra empenhada à Ordem que jurou
defender e resguardar. É justamente por isso que devemos a todo o custo
"desmistificar" assuntos maçônicos mais básicos, proporcionando aos
que nos cercam, pais e filhos queridos, a possibilidade de nos conhecer melhor,
evitando inclusive esses preconceitos mais simplistas de ramos reformadores
contemporâneos do cristianismo.
Julgamos que está bem delineada a diferença entre "sigilo maçônico" e
"discrição maçônica". Por aquela, tomamos como paradigmas
insuperáveis, blindados pelo juramento inquebrável, onde o iniciado jamais
deixará de pertencer à Ordem. As palavras, sinais e toques unem eternamente o
neófito à Arte Real, ainda que adormeça ou debande completamente. Por isso
mesmo, até mesmo os "reformados", irmãos que desacreditaram da
Maçonaria para abraçar correntes religiosas sectárias que incriminam a Ordem
com imputações satânicas, até mesmo esses mantém-se regulares para com o Templo
que frequentaram, não transmitindo temerariamente tais segredos. Vê-se que os
livros que pretendem dispersar os mistérios da Maçonaria, geralmente foram
escritos por ignorantes nos assuntos reservados da Arte Real, ora errando sobre
as afirmações, ora confundindo graus, sinais, palavras, usos e costumes com a
liturgia propriamente.
Finalmente, a discrição maçônica é sempre bem-vinda, mas não inviabiliza a
instrução de terceiros nos signos maçônicos. Sessões brancas são, no meu ponto
de vista, bastante recomendáveis para proporcionar uma partilha dos
conhecimentos maçônicos com a sociedade. A comemoração dos dias festivos e
datas religiosas, além de outras atividades em conjunto dentro do Templo, devem
ser estimuladas. É preciso chamar a família, os amigos, os colegas de serviço,
agregando-os todos no Templo e formando uma nova e interessante Egrégora. A
postura discreta, reservada do maçom enquanto maçom somente o valoriza, mas não
é preciso "mistificar" a discrição, confundindo-a com o sigilo
maçônico.
Como a Maçonaria do séc XXI pretende fundar (re-fundar) um novo centro de
gravidade maçônica no Brasil, é preciso ajudar com cimento fresco, renovador,
ao mesmo tempo em que reserva-se tijolos firmes, sólidos, inquebráveis.
Flexíveis devemos ser até onde os nossos compromissos nos permitem; tolerância
deve ser a nossa meta última como indivíduos e maçons; compromisso com os
mistérios que são o combustível de nossa própria transformação interior não
pode ser objeto de barganha. O que é segredo deve continuar sendo: o que não é,
não precisa ser tratado como tal. Vamos envolver toda a comunidade que nos
circula, fincando o compasso numa Loja Maçônica!
Recebam todos o meu tríplice e fraternal abraço!
Nenhum comentário:
Postar um comentário