segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Senhor dos Anéis - um estudo sobre a Tentação


As nossas televisões cada vez mais sobrecarregam os seus horários de violência como se o desprezo e o medo (natural perante a violência), desse lugar a uma adoração selvagem, correlato do terror que ela desperta quando está em todo o lado e em parte nenhuma, em torno de nós, na vida real. Aristóteles, na Poética diz que “nós sentimos prazer em olhar as mais apuradas imagens das coisas cuja vista nos é penosa na realidade”. Contudo, Aristóteles tinha em vista um efeito hedónico da operação mimética, a saber, a catarse, que de facto não acontece connosco, hoje.
 
A violência no ecrã não opera uma catarse porque deixou de estar em jogo a vida tal
como ela é. Isto é, isso aí é televisão, é cinema. Ora, a categoria de televisivo faz referência, não à realidade, não à vida, mas a uma encenação que se passa de todo em todo fora do que acontece. O que permite que a violência nos provoque prazer é a mudança de olhar que não mais vê a violência mas uma imitação da violência, no sentido de um faz de conta. Por outro lado, a mimésis aristotélica não era um ficcionar, antes porém, um executar. Ou seja, um pôr em cena da vida. 
 
Hoje em dia a violência na televisão é uma violência em tubo de ensaio; mais do que isso, é uma violência colocada num outro mundo, o mundo do cinema, que só por acaso passa nas telas reais dos cinemas das nossas cidades. De facto, para nós, as telas de cinema não passam mais do que frutos da invenção humana, no sentido em que os filmes não têm, à primeira vista, ligação com o real, sendo assim um contar contos irreais.
Ora, tomar as violências do ecrã como puras ficções gera uma nova ilusão, a de que nos podemos livrar da violência devorando histórias que não nos dizem respeito (são doutro tempo, doutro espaço, doutros seres; são casos excepcionalmente raros de psicopatas; acontecimentos altamente improváveis. Assim, não vemos que isso nos pudesse acontecer. Não nos colocamos no lugar dos personagens. Por fim chegamos a acreditar que a violência está lá na televisão, bastando desligá-la para a afastar, ou simplesmente não ir ao cinema. Damos connosco a desligar a televisão à hora das notícias como se tudo não fosse mais do que uma violência ficcional, que não interessa ver pois atormentar-nos-ía. Note-se que não defendo a exposição à violência, pelo contrário estou a tentar isolar e fixar uma das causas nocivas dessa exposição exagerada. 

A ilusão de que se pode simplesmente ignorar a violência porque ela já não nos sensibiliza, de tal modo que tão facilmente vemos um Kill Bill, como erradicamos a lobisidade do lobo da história do capuchinho vermelho. Mas esquecer a violência não é erradicá-la.
Ver demasiada  violência incapacita-nos de ver a violência da violência, tal como nos ilude de que se não a vemos ela não está lá. Parece-nos, ainda que atematicamente, que o Mal apenas tem lugar no ecrã (logo, não nos toca; logo, é desligável). Vemos tanta violência que ela já não nos toca, e se nos toca, não toca a vida. Se nos repugna apaga-se.

 No presente trabalho tentamos buscar dentro da própria cultura de massas uma teorização da Tentação pelo Mal. O Senhor dos Anéis é um romance que milhares de portugueses compraram e que se tornou um best seller internacional. Tendo chegado ao grande ecrã, neste momento a televisão encarrega-se de o fazer chegar às poucas famílias que ainda não o tenham lido. 
 
 
Werner Jaeger afirma que “a atitude original do Homem perante a existência ganha forma nos mitos”[2]. Levados por esta mesma crença, considerámos pertinente debruçarmo-nos neste fenómeno da literatura, e, portanto, da cultura global e globalizante, na tentativa de clarificar o que os próprios homeros da nossa época têm a dizer sobre este estranho facto de nos sentirmos atraídos pelo Mal. Uma vez que é o próprio Tolkien que pretende criar um Mito, pensámos que seria interessante procurar, neste livro que, apesar das suas mais de mil páginas, atrai milhões de leitores, qual é a atitude que o homem hoje tem perante a existência. Isto é, fazemos esta pergunta: que é que este pretenso mito tem a dizer sobre o nosso olhar sobre o mundo? Que é que nos move? Como é que nós somos?
 
Vejamos se que modo Tolkien ao elaborar o seu mito moldou o homem. Vejamos se, este pretenso homero, sentiu necessidade de trabalhar a temática da Tentação do Mal e da Violência (que nós acima denunciamos no nosso tempo).

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