As
nossas televisões cada vez mais sobrecarregam os seus horários de
violência como se o desprezo e o medo (natural perante a violência),
desse lugar a uma adoração selvagem, correlato do terror que ela
desperta quando está em todo o lado e em parte nenhuma, em torno de nós,
na vida real. Aristóteles, na Poética diz
que “nós sentimos prazer em olhar as mais apuradas imagens das coisas
cuja vista nos é penosa na realidade”. Contudo, Aristóteles tinha em
vista um efeito hedónico da operação mimética, a saber, a catarse, que
de facto não acontece connosco, hoje.
A violência no ecrã não opera uma catarse porque deixou de estar em jogo a vida tal
como ela é. Isto é, isso aí é televisão, é cinema. Ora, a categoria de televisivo
faz referência, não à realidade, não à vida, mas a uma encenação que se
passa de todo em todo fora do que acontece. O que permite que a
violência nos provoque prazer é a mudança de olhar que não mais vê a
violência mas uma imitação da violência, no sentido de um faz de conta.
Por outro lado, a mimésis aristotélica não era um ficcionar, antes porém, um executar. Ou seja, um pôr em cena da vida.
Hoje
em dia a violência na televisão é uma violência em tubo de ensaio; mais
do que isso, é uma violência colocada num outro mundo, o mundo do
cinema, que só por acaso passa nas telas reais dos cinemas das nossas
cidades. De facto, para nós, as telas de cinema não passam mais do que
frutos da invenção humana, no sentido em que os filmes não têm, à
primeira vista, ligação com o real, sendo assim um contar contos
irreais.
Ora,
tomar as violências do ecrã como puras ficções gera uma nova ilusão, a
de que nos podemos livrar da violência devorando histórias que não nos
dizem respeito (são doutro tempo, doutro espaço, doutros seres; são
casos excepcionalmente raros de psicopatas; acontecimentos altamente
improváveis. Assim, não vemos que isso nos pudesse acontecer. Não nos
colocamos no lugar dos personagens. Por fim chegamos a acreditar que a
violência está lá na televisão, bastando desligá-la para a afastar, ou
simplesmente não ir ao cinema. Damos connosco a desligar a televisão à
hora das notícias como se tudo não fosse mais do que uma violência
ficcional, que não interessa ver pois atormentar-nos-ía. Note-se que não
defendo a exposição à violência, pelo contrário estou a tentar isolar e
fixar uma das causas nocivas dessa exposição exagerada.
A
ilusão de que se pode simplesmente ignorar a violência porque ela já
não nos sensibiliza, de tal modo que tão facilmente vemos um Kill Bill, como erradicamos a lobisidade do lobo da história do capuchinho vermelho. Mas esquecer a violência não é erradicá-la.
Ver demasiada violência
incapacita-nos de ver a violência da violência, tal como nos ilude de
que se não a vemos ela não está lá. Parece-nos, ainda que
atematicamente, que o Mal apenas tem lugar no ecrã (logo, não nos toca;
logo, é desligável). Vemos tanta violência que ela já não nos toca, e se nos toca, não toca a vida. Se nos repugna apaga-se.
No presente trabalho tentamos buscar dentro da própria cultura de massas uma teorização da Tentação pelo Mal. O Senhor dos Anéis é um romance que milhares de portugueses compraram e que se tornou um best seller
internacional. Tendo chegado ao grande ecrã, neste momento a televisão
encarrega-se de o fazer chegar às poucas famílias que ainda não o tenham
lido.

Werner Jaeger afirma que “a atitude original do Homem perante a existência ganha forma nos mitos”[2]. Levados por esta mesma crença,
considerámos pertinente debruçarmo-nos neste fenómeno da literatura, e,
portanto, da cultura global e globalizante, na tentativa de clarificar o
que os próprios homeros da nossa época têm a dizer sobre este
estranho facto de nos sentirmos atraídos pelo Mal. Uma vez que é o
próprio Tolkien que pretende criar um Mito, pensámos que seria
interessante procurar, neste livro que, apesar das suas mais de mil
páginas, atrai milhões de leitores, qual é a atitude que o homem hoje
tem perante a existência. Isto é, fazemos esta pergunta: que é que este
pretenso mito tem a dizer sobre o nosso olhar sobre o mundo? Que é que
nos move? Como é que nós somos?
Vejamos se que modo Tolkien ao elaborar o seu mito moldou o homem. Vejamos se, este pretenso homero, sentiu necessidade de trabalhar a temática da Tentação do Mal e da Violência (que nós acima denunciamos no nosso tempo).
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