A
reportagem de capa da Superinteressante “A Bíblia como você nunca
leu”. Trata-se dos trechos bíblicos que propagam, com candura,
sacrifícios humanos, morte para virgens defloradas, poligamia, bebedeira
e por aí vai.
As
perversidades bíblicas têm sido destacadas à exaustão, mas ainda assim a
reportagem é oportuna porque ocorre cada vez mais com frequência a
exaltação por vereadores e deputados da Bíblia como “padrão de
moralidade”.
Recentemente
na Assembleia Legislativa de Goiás, por exemplo, a leitura da Bíblia se
tornou obrigatória no começo das sessões para garantir “um ambiente de
princípios e de harmonia entre os deputados”.
O
deputado evangélico Daniel Messac (PSDB), autor da lei dessa
obrigatoriedade, agiu como só existisse uma parte da Bíblia, a “boa”, e
não também a “ruim”, a podre, e como se esta não contaminasse aquela. E
assim tem sido nas pregações de pastores e de padres, nos sermões
televisivos, nos livros religiosos. Tudo sem questionamentos dos fiéis.
Maridos e Esposas
O Velho Testamento deixa claro que as mulheres deveriam ser funcionárias de
seus
maridos, com deveres e direitos. Se uma esposa fosse “demitida” pelo
parceiro, por exemplo, ela podia ganhar uma carta de recomendação, para a
moça utilizá-la como trunfo na hora de tentar uma vaga de mulher de
outro sujeito.

A
poligamia era regra. Tanto que o primeiro caso aparece logo no capítulo
4 do primeiro livro da Bíblia: “E tomou Lameque para si duas mulheres”
(Gênesis). A situação era tão comum que vários dos personagens mais
importantes do Antigo Testamento viviam com mais de uma esposa sob o
mesmo teto.
[...]
Nunca na história do Livro Sagrado houve maior predador matrimonial que
Salomão, o rei: foram 700 esposas. Setecentas de papel passado, já que o
sábio soberano ainda mantinha 300 concubinas.
O
Novo Testamento não cita tantos exemplos de poligamia, mas sugere que
ela ainda era comum no século 1. Jesus não toca no assunto, mas, em duas
cartas, são Paulo recomenda que os líderes da nova comunidade cristã
tivessem apenas uma esposa porque “assim eles teriam mais tempo para
dedicar aos fiéis”.
“O
cristianismo só refuta a poligamia quando se aproxima do poder em Roma,
que proibia essa prática”, afirma o historiador Marc Zvi Brettler. Como
escreve santo Agostinho no século 5, “em nosso tempo, e de acordo com o
costume romano, não é mais permitido tomar outra esposa”.
“As mulheres sejam submissas a seus maridos.”
(Colossenses, 3, 18)
Sexo
Uma
série de regras estabelece como deve ser a vida sexual: toda mulher tem
de se casar virgem, ou então poderá ser dispensada pelo marido.
As
leis sexuais eram bem abrangentes: “Quem tiver relações com um animal
deve ser morto”, diz o Êxodo. E a masturbação também não pode. Como diz o
sutil são Paulo: “A mulher não pode dispor de seu corpo: ele pertence
ao marido. E o marido não pode dispor de seu corpo: ele pertence à
esposa.”
“O
sexo na Bíblia é cheio de contradições”, diz o arqueólogo Michael
Coogan, autor de God and Sex (Deus e o Sexo). “É de se desconfiar que
fossem realmente levados a sério naquela época.”
“E possuiu também a Raquel, e amou também a Raquel mais do que a Lia.” (Gênesis, 29, 30)
Negócios e finanças
A
cobrança de juros é proibida. As ordens se repetem ao longo da Bíblia,
sempre em tom firme: “Não tomarás deles juros nem ganho” (Levítico).
[...] Mas existe uma exceção: nos casos em que o empréstimo é concedido a
um não judeu (“um estranho”, nas palavras de Deuterônimo) é permitido
praticar a usura. Até por isso os judeus se tornaram os grandes
banqueiros da Idade Média.
Se
o Livro Sagrado proíbe a cobrança de juros, mas só entre judeus, o
mesmo vale para a escravidão. Você pode ter escravos, contanto que
“sejam das nações que estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e
escravas”, diz o Levítico.
“Ao estranho, emprestarás com juros.” (Deuteronômio 23:20)
Marvado vinho

“Os
sacerdotes são orientados a não beber antes de entrar no tempo, e o
álcool é relacionado à perda de controle pessoal e da capacidade de
diferenciar o bem do mal. Mas nada no texto bíblico proíbe o consumo”,
diz o historiador Marc Zvi Brettler.
O
álcool chega a ser recomendado para curar os males da alma. Está em
provérbios: “Daí bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho
aos amargurados de espíritos”.
E tem o primeiro milagre de Jesus: transformar água em vinho — segundo o evangelista João, no melhor vinho da festa.
São Paulo vai mais além: recomenda a um discípulo, Timóteo, que troque a água pelo vinho.
“O
chefe do serviço provou [o vinho que Jesus criara a partir da água] e
falou com o noivo: ‘Tudo guardaste o melhor vinho até agora!’” (João 2,
7-10)
Saúde e educação
[...]
Ao longo da infância, os pais têm a obrigação de repassar a eles a
palavra de Javé. Já o Novo Testamento é mais pedagógico, digamos assim:
enfatiza a educação pelo bom exemplo dos pais. [...] Quando não
funcionar, o Antigo Testamento indica que um bastão flexível deve ser
usado para bater nos desobedientes. O objeto tem até nome, vara da
correção, e é indicado para qualquer situação em que o pai considere que
a criança não seguiu suas instruções. “A vara e a repressão dão
sabedoria, mas a criança entregue a si mesa envergonha a sua mãe”
(Provérbios).
“O
sacerdote examinará a praga na pele da carne; se o pelo na praga se
tornou branco, (…) é praga de lepra; o sacerdote o examinará, e o
declarará por imundo.” (Levítico 13:3).
O
amor entre homens era punido com a morte — a não ser que você fosse o
rei Davi. Os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade
entre ele e Jonatã, filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato
natural ao trono de Israel. Davi acaba escolhido para a sucessão, mas
isso não abala o relacionamento dos dois. Está escrito: “A alma de
Jonatã se ligou com a alma de Davi. E Jonatã o amou, como à sua própria
alma” (Samuel I).
Em
outra passagem, Jonatã tira todas as roupas, entrega a Davi e se deita
com ele. “E inclinou-se três vezes, e beijaram-se um ao outro” (Samuel
I). “Esse relato incomoda os intérpretes tradicionais da Bíblia, que
tentam explicar a relação como uma forte amizade, e o beijo como um
costume comum entre homens”, diz o historiador finlandês Martii
Nissinem, da Universidade de Helsinki e autor de Homoeroticism in the
Biblical World (Homoerotismo no Mundo Bíblico). “Mas é difícil negar a
referência à homossexualidade nesse caso, mesmo que a lei judaica a
proíba expressamente.”
Para
alguns especialistas, o Antigo Testamento também sugere um
relacionamento homossexual entre duas mulheres, Noemi e sua nora Rute.
Está no livro de Rute um trecho em que ela diz a Noemi: “Aonde quer que
tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu. Onde quer
que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada”.
“Estou angustiado por causa de ti, Jonatã. Mais maravilhoso me era teu amor do que o amor das mulheres.” (Samuel II 1, 26).
Sacrifício
Muito
sangue jorra na Bíblia. Abraão é orientado a sacrificar seu próprio
filho Isaac a Javé — e teria obedecido, caso um anjo não aparecesse no
ultimo minuto dizendo ser tudo um teste para sua fé. Além disso, durante
os 40 dias em que Abraão detalha suas regras ao patriarca, Deus exige
uma série de sacrifícios de animais.
Os
rituais são descritos com grande riqueza de detalhes. Moisés manda
matar e drenar 12 bois. O sangue é colocado numa tina. Metade é lançada
no altar e o resto sobre a multidão. Carneiros abatidos são esfregados
no corpo de fiéis, que seguram seus rins nas mãos para oferecê-los a
Javé. Pedaços de bichos são queimados sobre o altar. Era uma forma de
trocar favores com os deuses.
“O
sangue é o maior símbolo da vida. Ao usá-lo em rituais, os fiéis
reforçam seu vínculo com a divindade e se purificam”, diz Richard
Friedman. [...] ”Na interpretação cristã posterior, o próprio Jesus é
considerado o sacrifício final, que limpa os pecados da humanidade de
forma definitiva, o que dispensa a morte de animais.”
“Derramar-se-a
seu sangue me volta do altar. Será oferecida a cauda, a gordura que
cobre as entranhas. Os dois rins e a pelo que recobre o fígado.”
(Levítico 7, 2-4).
Crime e castigo
Sequestro,
adultério, homossexualidade, prostituição…. Tudo dava pena de morte.
Até fazer sexo com uma virgem poderia custar a vida do
“criminoso”. Adorar outros deuses também trazia problemas sérios. Moisés
mandou matar 3 mil judeus por causa disso.
O
Levítico também manda matar prostitutas a pedradas. Não caso de a moça
ser filha de um sacerdote, a punição é pior: “Com fogo será queimada”.
Em
geral, a pena de morte por apedrejamento não precisava ser julgada
pelos sacerdotes. A maioria dos crimes recebia punição na hora, diante
de um grupo de pessoas que presenciaram a cena ou que estavam por perto
da cena do crime.

Como
o Antigo Testamento não aceita o aborto, é crime provocá-lo, mesmo que
por acidente, mas a pena depende da gravidade da situação.
Em
caso de roubo e furto ou qualquer outro prejuízo ao patrimônio alheio, a
pena é o pagamento de 4 vezes o valor do bem que foi levado ou
destruído. Se a pessoa que cometeu a infração não tivesse condições de
pagar, podia ser vendida como escrava.
“Quando
houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se
deitar com ela, então trarei ambos à porta daquela cidade, e os
apedrejareis, até que morram.” (Deuteronômio 22:23-24)
vídeo: site da SUPERINTERESSANTE ED.305 JUNHO 2012
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