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Um fato histórico sem documentos que
comprovem sua veracidade, deixa de ser um fato para ser uma
possibilidade ou, o que é pior, uma invencionice que, de histórica, não
tem nada. Não se faz História por ouvir dizer ou imaginando fatos. "A
História", segundo Langlois e Seignobos, "nos ensina a relatividade de
todas as coisas e a transformação incessante das crenças, das formas,
das instituições".
Por aí se vê quão difícil é a missão
daqueles que se debruçam sobre os mapas da vida para narrar o que para
trás ficou. Ouve-se amiúde a expressão "a História é a mestra da vida".
Esta expressão está incompleta. A
definição de História é ampla e abarca um círculo bem maior de verdades,
ei-la: História vero testis temporum, lux veritatis, vita memorae,
magistra vitae, nuntia vetustatis est (A História é verdadeiramente a
testemunha dos tempos, a luz da verdade, a vida da memória, a mestra da
vida, a mensageira dos tempos antigos).
A História de nossa Instituição merece
respeito. Deixemos, portanto, aos verdadeiros historiadores a missão de
relatá-la. Nós outros, que historiadores não somos, devemos ter sempre
diante dos olhos que a História é, antes de mais nada, a luz da verdade.
Há muito tempo se discute qual teria
sido a primeira Loja Maçônica instalada em nossa Pátria. As opiniões
divergem, deixando aqueles que não são ligados às coisas da História em
palpos de aranha. Em quem acreditar? Hoje, mercê da criação das Lojas de
Pesquisas, das Academias, dos jornais, boletins e das revistas
maçônicas, algumas de altíssimo quilate, já se pode vislumbrar nos
longes do horizonte maçônico uma luz que se torna cada vez mais forte.
Alguns escritores, talvez por ufanismo, apontam brasileiros ilustres
como tendo sido Maçons, sem que haja a mais mínima prova que estabeleça a
veracidade da afirmativa. Outros, por ouvir dizer, ensinam coisas que
absolutamente não podem provar. Só para exemplificar e sem citar nomes,
temos debaixo dos olhos um publicação que, a par de belos artigos, traz
um, naturalmente baseado em alguma coisa que o autor, talvez até bem
intencionado, tenha tido conhecimento e tenha dado crédito à informação:
Segundo os mais antigos registros, 1786 foi o ano do surgimento da
Maçonaria no Brasil, com a volta do Irmão José Alves Maciel da Europa,
formado em Coimbra onde Iniciou-se (sic), indo depois para a Inglaterra e
França e lá frequentava as Lojas Maçônicas. De volta ao Brasil, traz a
mensagem da Maçonaria francesa, a Maçonaria inglesa defendia o sistema
monárquico parlamentar constitucional e a Maçonaria francesa o sistema
republicano. Funda Lojas em Vila Rica e Tijuco com propósitos políticos,
organizando a revolução emancipacionista, que se chamou Inconfidência. É
possível que o articulista tenha tomado conhecimento das informações
dadas por Joaquim Felício dos Santos que, sem aduzir quaisquer provas,
afirmou que a Inconfidência houvera sido dirigida por Maçons. Felício
dos Santos, ainda sem apontar onde buscara tal afirmativa, afirmou que
Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros livres. Esta é a
informação que nos é fornecida pelo historiador maçônico Frederico
Guilherme Costa em "Questões Controvertidas da Arte Real", vol. 3: Ao
que tudo indica, o responsável por uma extravagante idéia de uma
conjuração maçônica com a conseqüente liderança do Maçom (sic)
Tiradentes foi Joaquim Felício do Santos.
Rigoroso na pesquisa do documento
possuía, porém, o gosto pelo romântico, que o levou ao devaneio de suas
declarações sobre a Maçonaria na obra intitulada Memórias do Distrito
Diamantino, infelizmente tão copiada e repetida pelos apaixonados pela
tese altamente suspeita da Maçonaria que não houve na vida do
protomártir da Nação brasileira.
Não faz muito tempo, ouvimos um Irm:. de
Loja afirmar que a primeira Loja brasileira era o Areópago de Itambé,
sem que aduzisse coisa que lhe atestasse a verdade da afirmação.
Bons historiadores maçônicos, nos dias
que correm, negam tal assertiva, apesar da existência de outros que
confirmam a opinião do meu Irmão de Loja. Mário Name, em artigo inserto
no Caderno de Pesquisas Maçônicas 11, edição da "A TROLHA", março de
1996, às páginas 18, escreve: Todos nós sabemos que ao apagar das luzes
do século XVIII, mais precisamente em 1796, o frade carmelita Arruda
Câmara fundou em Pernambuco, na divisa com o Estado da Paraíba, o famoso
Areópago de Itambé cuja finalidade, até hoje um pouco nebulosa, deu
margem a muita especulação, especialmente entre os ufanistas escritores
brasileiros. Marcelo Linhares, no seu livro História da Maçonaria, Ed.
"A TROLHA", Londrina 1992, transcreve excerto de Mário Melo, tirado da
obra "Livro do Centenário Maçônico", capítulo "A Maçonaria no Brasil" e
que diz o seguinte: Desprezando a tradição, podemos afirmar, baseados em
documentos, que a primeira Loja Maçônica associação secreta, movida
pela liturgia, com fins político-sociais, fundada no Brasil, foi o
Areópago de Itambé (Pernambuco). Instalou-o o botânico Arruda Câmara,
ex-frade carmelita, médico pela Faculdade de Montpellier, no último
quartel do século XVIII, em 1796. Linhares não aceita o que afirma Mário
Melo: Apesar das opiniões mais que abalizadas de Mário Melo e Oliveira
Lima, este considerando uma sociedade secreta, política e maçônica no
seu espírito, senão no Rito que lhe teria sido posterior, o Areópago de
Itambé se nos parece mais uma entidade cultural, onde se podia
conspirar, que propriamente um Organismo Maçônico. Entretanto, foi lá
onde se abeberaram os líderes dos futuros movimentos emancipacionistas
republicanos, salientando-se dentre eles Antônio Carlos Ribeiro de
Andrade e Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Cavalheiro da
Ordem de Cristo e pois Barão de Suassuma.
O saudoso Irm:. Marcos Santiago, no seu
livro Maçonaria, História e Atualidade refere-se ao Areópago da seguinte
maneira: Em 1796 foi fundado o Areópago de Itambé em Pernambuco, uma
sociedade política secreta, que objetivava fazer de Pernambuco uma
república, e da qual faziam parte Maçons e padres da igreja católica.
Frederico Guilherme Costa, em uma de suas obras, assinala: Sabemos que
antes da Cavaleiros da Luz, foi o Areópago de ltambé instalado pelo
botânico Arruda Câmara, ex-frade carmelita, médico pela faculdade de
Montpellier em 1796. M. L. Machado (Introdução à Historia da Revolução
de 1817, 2ª Ed.). Citado por Mário Melo, descreve o Areópago: Era o
Areópago uma sociedade política, secreta, intencionalmente colocada na
raia das províncias de Pernambuco e Paraíba, freqüentada por pessoas
salientes de uma e outra parte e donde saíam, como de um centro para a
periferia, sem assaltos nem arruídos, as doutrinas ensinadas. Tinha por
fim tornar conhecidos o estado geral da Europa, os estremecimentos e
destroços dos governos absolutos, sob o influxo das idéias democráticas
(Breves Ensaios sobre a História da Maçonaria Brasileira, Ed. "ATROLHA",
Londrina, 1993). José Castellani, na excelente obra "Do Pó dos
Arquivos", Ed. "A TROLHA", Londrina, 1995, ao fazer um estudo sobre a
primeira Loja fundada no Brasil, preceitua: O Areópago, embora
considerado o marco inicial das organizações maçônicas no Brasil, não
era uma verdadeira Loja, tanto que o Padre João Ribeiro, que pertencera a
ele, teve que ser Iniciado em Lisboa, o que, evidentemente, leva a crer
que, na época, não existia Loja regular naquela região. Contudo, é bom
observar que Castellani, com o peso de sua autoridade de historiador de
primeira água, afirma que o Areópago é considerado o marco inicial das
organizações maçônicas no Brasil. Se há os que negam tenha sido o
Areópago uma Loja Maçônica, há os que afirmam o contrário. Além de Mário
Melo, como já vimos antes, o Irm:. Antônio do Carmo Ferreira, atual
Grão-Mestre do GOIPE, Maçom de invejável cultura e grande estudioso das
coisas da Maçonaria, não aceita que o Areópago não tenha sido Loja. É o
que se deduz ao ler um artigo de sua lavra, publicado em fevereiro de
1994, in Cadernos de Pesquisas Maçônicas 6, Ed. "A TROLHA", Londrina.
Após discorrer sobre a fundação do Areópago e citar vários nomes de
participantes da instituição, informa que a casa onde funcionou o
Areópago, na Rua Videira de Melo (Itambé), foi derrubada na década dos
anos 40 e, no seu lugar, em 1951, foi levantado um obelisco, perpetuando
o fato.
Ao terminar o artigo, aliás muito bem
lançado, Antônio do Carmo afirma, com todos os rr e ss que o Areópago de
Itambé foi uma Loja Maçônica, senão vejamos: Em 30 de agosto de 1980, o
Grande Oriente Independente de Pernambuco retomava o curso da História,
ao reinstalar (o grifo é nosso) o Areópago de Itambé, inaugurando uma
Loja Maçônica Simbólica com aquele nome distintivo. Realmente, o ato
consistiu em grave responsabilidade, não somente para os Maçons daquele
Oriente, mas também e sobretudo para a Potência que passou a ter em seu
seio a Oficina Berço da Maçonaria Brasileira (o grifo é nosso).
E é preciso ser digno disto. Já alguns
historiadores de renome no mundo maçônico –José Castellani, Frederico
Guilherme Costa, Ricardo Mário Gonçalves, entre outros –escreveram que a
primeira Loja fundada no Brasil foi a "Cavaleiros da Luz". Para tanto,
eles se baseavam em escrito de F. Borges de Barros, publicado no Volume
XV dos Anais do Arquivo Público da Bahia, intitulado Primórdios das
Sociedades Secretas da Bahia, onde se afirma que tendo aportado a
Salvador a fragata francesa "La Preneuse", comandada pelo Capitão
Larcher, logo se tornou alvo de visitas dos homens mais esclarecidos da
terra e que dessas visitas, que se converteram em reuniões, surgiu a 14
de julho de 1797 a Loja Maçônica "Cavaleiros da Luz". O escrito de
Borges de Barros é de 1928.
José Castellani, em artigo publicado na
Revista Acácia, nº 33, de Porto Alegre, diz das razões por que a fonte
de informação era respeitável: Borges de Barros, que era Diretor do
Arquivo Público da Bahia e Grão-Mestre da Grande Loja da Bahia – a
primeira a ser fundada no Brasil, quando da cisão de 1927 – publicou,
em 1928, no volume XV dos Anais do Arquivo, às paginas 44 e 45, a
história da "Cavaleiros da Luz", informando que as reuniões
preparatórias teriam sido realizadas a bordo da fragata "La Preneuse",
sob liderança do comandante Larcher. A posição de Borges de Barros e sua
intimidade com os arquivos tornavam fidedigna essa informação. E mesmo
com contestações, não pode ser descartada a existência da "Cavaleiros da
Luz", sem profundo exame da questão.
Tinha-se, pois, como certo que a
primeira Loja Maçônica fundada no Brasil fora a "Cavaleiros da Luz",
fato que teria ocorrido na povoação da Barra aos 14 de julho de 1797.
Essas observações de Castellani eram
necessárias, porque surgiram sérias dúvidas sobre a veracidade das
informações dadas por Borges de Barros, depois que apareceram documentos
que negavam a presença da fragata "La Preneuse" em águas territoriais
baianas.
Quando exercíamos o Veneralato de nossa
Loja "Ponto no Espaço 279" (94/95), convidamos nosso Irm:. e
historiador, professor da USP, Ricardo Mário Gonçalves para uma palestra
sobre a primeira Loja Maçônica do Brasil e fomos surpreendidos ao
ouvirmos daquele nosso ilustre Irm:. que a fragata "La Preneuse" jamais
estivera no Brasil. O palestrante dizia que fazia tal afirmação escudado
em trabalho publicado pelo historiador Luiz Henrique Dias Tavares que,
por sua vez, fundamentava sua assertiva, baseado em pesquisa feita pela
historiadora Kátia de Queirós Mattoso nos arquivos Nacional e da
Marinha, em Paris. Além de "La Preneuse" jamais ter estado no Brasil,
Larcher, quando esteve em Salvador, desembarcou do navio "Boa Viagem",
em novembro de 1796, tendo embarcado de regresso à França em 2 de
janeiro de 1797. E o ilustre palestrante argumentou: Se a "Cavaleiros da
Luz" foi inaugurada em julho de 1797 e Larcher havia embarcado em
janeiro daquele ano, como poderia aquele oficial da marinha francesa ter
participado da fundação da Loja, conforme se apregoa?
Por aí se vê que é necessário muito
estudo, pesquisas e mais pesquisas para que, com base em fontes
fidedignas, se possa afirmar que isto ou aquilo é realmente um fato
histórico digno de fé.
Nós, que não somos historiadores e que
dependemos das informações que eles nos fornecem, precisamos meditar e
meditar fundo nas palavras do historiador maçônico Frederico Guilherme
Costa, autor de "Questões Controvertidas da Arte Real", vol. 3, Ed. "A
TROLHA", Londrina, 1997, que depois de fazer um estudo sobre a temática
que acabamos de expor, afirma: De tudo o que foi exposto conclui-se que a
verdadeira função do historiador, que tem vida curta, consiste em rever
permanentemente as informações que possui e que estão sendo sempre
enriquecidas com novas fontes, partam elas de pesquisas de terceiros ou
da sua própria, mas sempre tendo em mira a boa forma e o bom conteúdo,
jamais a ironia. A questão da nossa historiografia é uma disputa do
significante, pois a escrita só cumpre o seu papel quanto mais se
aproxima da palavra. Ela é sempre relativa. É da ordem do corpo e não do
sentido, da cultura e não da natureza.
Mas, afinal, qual a primeira Loja
Maçônica Regular fundada no Brasil? Mário Name, no artigo retro citado,
diz que a primeira Loja Maçônica fundada no Brasil, na cidade do Rio de
Janeiro, no ano de 1800, recebeu o nome de "União", e que um ano depois,
devido ao grande número de Irmãos que a ela aderiram, sofreu
restruturação e passou a denominar-se "Reunião".
José Castellani informa que é possível
tenha existido a "União", porém como não existe documento algum que
comprove a sua fundação, acredita que a primeira Loja Maçônica fundada
no Brasil foi a "Reunião", em 1801, isto se ficar provado que a
"Cavaleiros da Luz" não existiu. Sobre o assunto vejamos o que escreve
Frederico Guilherme Costa em "Breves Ensaios sobre a História da
Maçonaria Brasileira, Ed. "A TROLHA", Londrina, 1993, após ter
discorrido sobre o Areópago e sobre a "Cavaleiros da Luz":
Mas segundo o manifesto de José
Bonifácio publicado em 1832, a primeira Loja Simbólica regular no Brasil
foi instalada em 1801, debaixo do título de REUNIÃO, filiada ao Oriente
da Ilha de França, e nomeado para seu representante o cavaleiro
Laurent, que a fortuna fez aportar às formosas praias da Bahia de
Niterói e que presidira a sua instalação. Na mesma página, o autor
informa: Em 1801 a Loja "Reunião" é regulamentada instalada sob o
reconhecimento do Oriente da Ilha de França, seguindo-se as Lojas
"Constância" e "Filantropia", subordinadas ao Grande Oriente Lusitano.
Se a Cavaleiros da Luz foi a primeira Loja Maçônica no Brasil e o
Areópago o primeiro núcleo secreto revolucionário, a Loja "Reunião", à
luz dos documentos, respeitadas as leis e tradições maçônicas foi a
PRIMEIRA LOJA MAÇÔNICA REGULAR NO BRASIL.
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